Maria João Koehler: “Coragem é uma palavra que define bem a jogadora que sou”

27-01-2013 00:17

Aos 20 anos, e poucos dias depois da segunda participação no Open da Austrália, a 129.ª tenista do ranking mundial aponta a um lugar entre as 30 melhores: “Tenho margem de progressão

 

Está prestes a cair a cortina sobre o Open da Austrália de 2013 e Maria João Koehler continua a pensar que poderia ter afastado Jelena Jankovic, na segunda ronda. A tenista que deixou o curso de Medicina em stand-by acredita que está mais madura, mas que ainda tem grande margem de progressão. E aponta o top 30 do ranking mundial como um objectivo real.

Em 2012 conseguiu a melhor posição de sempre no ranking WTA e tornou-se a número um portuguesa. Na semana passada bateu-se taco a taco com Jelena Jankovic, uma ex-número um mundial. Este momento da carreira chega mais cedo ou mais tarde do que previra?
No ano passado, foi um marco importante ultrapassar a barreira das top 200 do mundo e ganhar um torneio de 100 mil dólares. Para os Grand Slam, já ia com outra mentalidade, mais madura. Não sei, eu nunca fui uma boa júnior. Nunca tive bons resultados nos escalões juvenis e houve muita gente a duvidar de mim, a pensar que o meu estilo de jogo não daria frutos. Mas sempre acreditei.

Quando é que percebeu que o ténis seria, para si, mais do que um passatempo, que poderia tornar-se profissional?
Quando fui treinar com o Nuno [Marques, aos 12 anos], já tinha essa ideia. Ele sempre foi o meu ídolo e sempre foi exigente comigo. Quando tinha 15 anos, fui estudar à noite para poder conciliar os estudos com o regime de treino e acho que foi aí que soube mesmo que era a minha prioridade. Foram dois anos muito duros: começava a treinar às 10h e acabava às 18h e estudava das 19h às 00h.

Desde o início que continua a treinar-se no Porto, ao contrário de outros tenistas, que cumprem parte da formação lá fora. Não lhe passa pela cabeça sair do país?
Entrei no Clube de Ténis do Porto completamente por acaso. Nessa altura, não me passava pela cabeça vir a ser profissional. Queria aprender, porque queria jogar raquetas de praia no Verão, com os meus primos [risos]. Liguei-me muito às pessoas do clube e fui ficando. Acredito plenamente no trabalho do Nuno e espero continuar muito tempo com ele. É o treinador da minha vida.

Um dos seus objectivos é levar consigo o treinador a um maior número de torneios. O facto de nem sempre conseguir fazer-se acompanhar do Nuno tem influência na sua performance?
Eu acredito que sim. É verdade é que é muito, muito caro, mas acredito que se ele viajasse mais comigo obteria melhores resultados, mais consistentes. Eu assinei há pouco tempo com a Lagos Sports uma parceria de management, eles é que procuram patrocínios, cuidam da imagem e isso é importante porque não tenho de me preocupar com essas questões. Este ano, queremos fazer 15 semanas [juntos], vamos apostar nisso. Penso que é um investimento que vale a pena.

Na Austrália, não teve o apoio directo do treinador. Quem é que fez as vezes de Nuno Marques em Melbourne? Onde encontrou apoio emocional?
Dou-me bastante bem com algumas jogadoras da minha idade e isso facilita os contactos. Tive, nessa semana, também o apoio muito especial de uma equipa da Colômbia, de Bogotá, que é a Colsanitas, que gritava por mim nos meus jogos. Isso é muito especial. E não foi só no campo, cheguei a treinar com eles quando uma outra jogadora me deixou pendurada e não podia treinar. Foi um apoio muito importante para me manter estável e confiante.

Quão decisivo é o contributo de um treinador no court?
Acho que pode fazer a diferença, mas que não será assim tão determinante. Pode fazer diferença no sentido de acalmar um atleta que não sabe o que fazer, dar-lhe mais lucidez, mas o trabalho do treinador é fora do campo. Claro que também podem fazer falta algumas "dicas" no campo, mas, no meu caso, do que sinto mais falta é de não treinar com o Nuno, não trabalhar os pormenores técnicos.

Já defrontou Kim Clijsters e agora Jelena Jankovic, duas ex-números um do mundo. Tirou alguma lição desses encontros?
Foram dois jogos diferentes. Contra a Clijsters, foi a minha primeira vez num torneio do Grand Slam, num campo [Rod Laver Arena] inacreditável, contra a jogadora preferida da minha infância. Estava muito nervosa e não consegui jogar a um bom nível. Contra a Jankovic, houve alturas em que joguei muito bem e ela teve dificuldades. Acho que entrei de maneira diferente, a pensar: "Se já joguei com a Kim na Rod Laver Arena, isto se calhar não é assim tão difícil". São etapas. Contra a Kim, quase nunca acreditei que seria possível ganhar. Com a Jankovic, ia mentalizada mesmo para ganhar. Ela entrou no campo descontraída, a cantar, e eu estava superconcentrada. E cheguei a pensar que ela ia descontraída de mais. Acho que fui muito corajosa. Coragem é uma palavra que define bem a jogadora que sou.

Apesar das dificuldades, estruturais e conjunturais, Portugal tem alcançado dos melhores resultados de sempre a nível individual. Como se explica esta contradição?
Sem dúvida que o ténis português tem elevado muito o nível nos últimos anos. Eu acho que isso se deve a alguns apoios, porque a federação tenta ajudar. Pode não cumprir os prazos, mas sabemos que tenta ajudar. Mas isso deve-se quase única e exclusivamente à dedicação e à entrega dos atletas e das suas equipas. Há muito pouca gente a acreditar no valor dos portugueses.

O objectivo de chegar ao top 30 do ranking mundial é realista?
Acho que sim. Como primeiro objectivo, tenho o top 100. Mas acho que ainda tenho muita margem de progressão. Ainda não sou uma jogadora completa, posso melhorar física e tacticamente. Isso é motivador, porque se já tivesse esgotado as minhas capacidades, diria: "Pronto, já não dá para espremer mais". Mas acho que, com esta mentalidade e o apoio do meu treinador, posso chegar lá.

Como é que uma pessoa que detesta andar de avião aguenta um ano inteiro de viagens?
[risos] É muito complicado. Eu tento domar o meu medo. Quando era miúda, tinha muito, muito medo de andar de avião. Agora já consigo dormir e abstrair-me um pouco, mas não gosto nada. Tento, no dia antes da viagem, dormir um pouco menos para no avião dormir mais. Se não conseguir dormir, também não entro em stress, só peço que o avião não trema muito.

Se lhe pedir para contar a história mais curiosa que viveu até hoje no ténis, o que é que lhe vem à cabeça?
Ter sido operada ao apêndice na Rússia. Tinha 14 anos, estava no Europeu de sub-17 e tive uma apendicite aguda em Moscovo. Fui levada para um hospital no fim do mundo. Queriam operar-me sem tirar sangue, depois vieram com uma agulha aberta, ninguém falava inglês, davam-me cinco injecções de penicilina por dia. Os meus pais foram ter comigo passados uns dias, mas foi para esquecer.

Entrevista concedida por MJK a Nuno Sousa, publicada em 26 Janeiro no jornal Público

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